sexta-feira, 22 de setembro de 2017

O Conceito de Deus - Parte II

Embora não conheçamos de fato a natureza e os propósitos de Deus por completo, é natural o desejo de descobri-los uma vez que cogitamos sua existência. Para isso, vamos começar estabelecendo uma direção, tentando entender qual a melhor forma para se descobrir e averiguar algo. Alias, você já parou para pensar por que as pessoas acreditam naquilo que acreditam? E por que alguém deve acreditar em alguma coisa? Embora as respostas possam ser as mais variadas possíveis, James Sire demostrou que elas se encaixam basicamente em quatro grupos: razões sociológicas, psicológicas, religiosas e filosóficas. [1]

Algumas pessoas abraçam certas crenças devido ao contexto social herdado dos pais ou projetado pela cultura. Contudo sabemos que às vezes os pais podem estar errados e nem sempre um costume cultural é a melhor escolha, haja vista a cultura nazista ou os rituais africanos que promovem a mutilação genital de meninas.

Dentro das razões psicológicas James enquadra fatores como o conforto, a esperança, propósito e tranquilidade. Mas embora possa ser confortante a crença de que há um Deus em algum lugar do Universo e que se importa com a humanidade, isso não significada que de fato Ele exista. Nesse sentido, razões sociais e psicológicas não são suficientes para acreditarmos no que acreditamos.

Quanto as razões religiosas encontramos fatores como um Rabino, Padres, Gurus e suas escrituras sagradas. Mas nesse momento a primeira pergunta é: em qual fonte devemos acreditar? Tomamos a nível de exemplo o cristianismo e o islamismo. De um lado temos a afirmação bíblica de que Jesus morreu em uma cruz e ressuscitou ao terceiro dia, por outro, o Alcorão afirma a existência de Jesus mas não que tenha morrido em uma cruz. Deste modo, se uma dessas fontes está certa a outra está errada e se Jesus nunca existiu, ambas são falsas!

Como resolver o dilema? Precisamos de evidências extras-bíblicas e que também estejam à parte do Alcorão para que de modo imparcial possamos descobrir qual das fontes contem a verdade. Neste contexto o que nos resta é a ultima opção: razões filosóficas.

Cabe lembrar que nos referimos a filosofia no sentido clássico, isto é, a busca pela verdade por meio da lógica, da evidência cientifica. Dessa forma, a despeito dos fatores sociais, psicológicos e religiosos, o mais seguro é acreditar em algo racional, apoiado por comprovações e que melhor explique as questões. Logo, é razoável concluir que qualquer ensinamento seja ele religioso ou não, só é digno de credibilidade se estiver embasado na verdade.

Embora o comportamento humano insista em fazer uso do fumo, ingerir refrigerantes e alimentar-se de fast-food frente às evidências cientificas, ainda assim o melhor caminho a despeito de nossas escolhas pessoais, é a filosófica busca pela verdade. Sermos apáticos ao conhecimento também pode ser perigoso. A titulo de reforço, se um piloto de avisão não receber as informações verdadeiras da torre de comando ao se aproximar do pouso, estará colocando em risco não só sua vida, mas de toda a tripulação. Acreditar em um erro pode ter consequências mortais, tanto temporais quanto eternas, caso um determinado número de crenças religiosas forem verdadeiras por exemplo.

Características do Originador

Deste modo, tendo em mente o que já foi visto anteriormente (artigo anterior), ou seja, que existem lógica e evidências cientificas apontando para um Originador do Universo, é possível que a natureza de Deus não seja totalmente desconhecida, entenda: Se há uma providência para o Universo, então, quando observamos o mesmo exibindo suas características, parece racional concluir que o Originador tenha algo semelhante a sua obra, assim como um escultor se torna conhecido por sua escultura e o poeta por sua poesia, o Universo testifica do seu autor. Nesse caso, Deus parece ser infinitamente sábio, formoso e poderoso.

Portanto, seguiremos adiante fazendo uso da capacidade filosófica que possuímos para esquadrinhar um pouco dessa formosa sabedoria divina.

Um Breve Contexto Histórico

Embora possa não parecer impactante a ideia de que haja algo eterno fora do Universo e que tenha dado origem a ele, em realidade isso só acontece divido ao condicionamento sociocultural que o cristianismo estabeleceu no Ocidente, pois nem sempre foi assim.

Na antiga Grécia por exemplo, com base nas obras A Republica e Apologia de Platão, é possível constatar através dos discursos de Sócrates que grande parte dos gregos acreditavam em muitos deuses. Os mesmos possuíam em sua essência a ambígua existência do bem e do mau. Tendo em vista que Sócrates tenha questionado essas crenças, o conceito do filosofo a cerca de Deus era que o mesmo deveria ser totalmente bom e não originador de todas as coisas, mas apenas das boas. Para ele a figura divina suprema, a qual denominava de “o Deus”, era uma qualidade e não uma entidade, justiça em vez de Zeus, formosura em vez de Afrodite, verdade ao invés de Apolo e assim por diante. [2]

Estabelecendo o Conceito

Diferentemente da cultura helenista, as escrituras judaicas - para ser mais especifico, o livro de Gênesis - apresentam a figura de um único Deus, sendo ele não só único mas universal e ao mesmo tempo concreto, não no sentido material mas no quesito nada subjetivo, ou seja, um sujeito, uma pessoa com natureza definida, com caráter e vontades próprias. Essa proposta nunca antes foi apresentada ao mundo antigo até os relatos do livro bíblico, e a mesma só é possível pela ideia da criação, onde apresenta a figura de um Deus que criou tudo o que existe, menos a si mesmo. Sendo então um Deus especifico e ao mesmo tempo universal.

Temos que ter em mente que para todas as culturas antigas, os deuses faziam parte do Universo e tinham apenas formado o nosso mundo, e não dado origem a ambos. O próprio Aristoteles defendia que o Universo era estático e eternamente existente. Neste contexto, se Deus fosse apenas parte do Universo, ele não poderia ser universal, por outro lado, se Deus fosse somente o “todo” de tudo o que existe, não poderia ser especifico e pessoal, mas apenas algum tipo de força cósmica. Entretanto a idéia apresentada em Gênesis é de um Criador para tudo o que existe e aparte de tudo o que passou a existir. Isso é incrível!

O conceito de um Ser especifico sendo originador de todo o Universo partindo do absoluto nada, era simplesmente inacreditável para os povos antigos. O autor do livro bíblico trouxe à tona uma ideia completamente nova quando declarou: “no princípio, criou Deus os céus e a terra”. A palavra hebraica que traduzimos como “criou" é “Bara” que significa literalmente “surgir do nada”. Já a palavra traduzida como “céus" é “Shamaiym” que na frequente “céus e terra” fornecem a conotação de “Universo”. Então, perceba como até mesmo uma tradução contextualizada à nossa analise é de grande dificuldade. Teríamos algo mais ou menos assim: “No começo de tudo, Deus fez surgir do nada o Universo e a Terra”. Complexo não? Cabe salientar que a referência ao nada deixa implícito que tudo surgiu em realidade a partir do poder contido em Deus.

Colocar a origem de todo o Universo, bem como do tempo e espaço em um Ser pessoal, atemporal e não limitado a espaço algum foi um raciocínio que só pôde vir a tona ou por insanidade ou por inspiração, devido a sua profunda e sofisticada grandeza. Até mesmo para Sócrates que já havia questionado o politeísmo grego e pagado o preço com a própria vida, não foi concebível tal proposta.

No quesito sabedoria, para os egípicios, babilônicos e gregos por exemplo, os deuses estavam em um nível superior a humanidade. Contudo a comparação entre a sabedoria de um adulto com a de uma criança é justa para representar a distancia entre os deuses e os homens. Na esfera do Universo, os deuses dominavam apenas porções dele, nunca o todo. Em antítese, o conceito judaico-cristo apresenta a figura de um Governante Supremo de todo o Universo e tal posto ocorre não por imposição mas por capacidade de exerce-lá, isto é, uma vez que todo o cosmos foi planejado e criado por Ele, o mesmo possuí não só o direito mas a potência para administra-lo, atributos estes, conhecidos como onisciência e onipotência.

Teimosia Divina

Um outro fato interessante sobre o conceito de Deus apresentado por Moisés em Genesis, é a apresentação não explicativa mas expressiva de um Deus eterno e atemporal agindo no tempo e na História. Entenda: o Criador é apresentando como uma pessoa supremamente perfeita, pleno em si mesmo, significando que diferente dos deuses do politeísmo antigo, Ele não tem absolutamente necessidade alguma de nós humanos. Não necessita de nossa adoração, muito menos de nossa obediência tão pouco de qualquer outra partícula do Universo, nem ao menos da existência do mesmo, embora o tenha criado.

Com isso em mente (a auto-existência de Deus), como podemos explicar a minuciosa preocupação com as vivências humanas descrita no livro de Leviticos por exemplo? Por que de modo tão cuidadoso Ele se dá ao trabalho de expressar sua vontade? Se não é para si mesmo que deseja, uma vez que de nada necessita, parece-nos que de alguma forma nós nos tornamos a razão do seu desejar! Mas qual o motivo? Haja vista que é possível encontrar desde leis cívicas à saneamento básico, bem como princípios de agricultura à preceitos morais. O único motivo plausível, é um amor puramente desinteressado.

Interesses Pagão

De modo oposto ao paganismo clássico que sustentava a crença em deuses guerreando com a humanidade e que nossa devoção a eles consistia em sacrifícios e cerimonias incumbidas de aplacar a ira dos deuses, as praticas religiosas judaicas espelhavam uma leveza de alma, um senso de retidão que conotava um espirito saudável e não um destrutivo desejo de vingança, tão comumente confundido com justiça. O beneficio estava para nós e não para Ele!

Tanto o é, que na tentativa de nominar o Originador da vida, atribuímos a Ele títulos que referenciam a real condição humana, e é interessante notar que todos os nossos nomes dados a Ele, não nomeia o que de fato Ele é em si, mas o que ele é em relação a nós… Senhor, Criador, Juiz, Protetor e Salvador. Em nenhum momento Ele é servo de si mesmo para que seja ao mesmo tempo senhor. Também não pode e nem tem necessidade de salvar-se. O beneficio está para nós, não para Ele.

Na proposta das antigas religiões, o homem é quem vinha buscando os deuses em troca de seus interesses mundanos. Mas a cosmovisão judaica-cristã apresenta justamente o contrário, Deus é quem está em busca do homem. E a evidência disso é que se Ele não o tivesse feito, jamais o teríamos conhecido. Mal podemos compreender como Ele pode estar presente no tempo e na eternidade ao mesmo tempo, quem dera o finito conhecer o infinito, a menos que Ele se apresentasse… Ah esse amor teimoso!

Conclusão

Você consegue perceber nessa curta analise o quão sofisticada é a ideia de um Originador para o Universo e tudo o que nele há? Não é além de impressionante, mas também filosoficamente muito mais superior este conceito do que a limitada proposta do politeísmo antigo? E talvez não seja esse justamente o motivo que tenha feito com que todos os deuses tenham se tornado relíquias de museus, não resistindo a maior prova posta à verdade… o tempo? Somente um Deus atemporal e infinitamente amoroso pode resistir ao tempo.

Deste modo, perece-nos filosoficamente razoável que a proposta judaica-cristã de um único Deus é a que racionalmente mais preenche as lacunas existências, e que melhor se propõem a responder “de onde viemos”, “qual o objetivo de estar” e “para onde vamos”.

Referências

1- James SIRE, "Why ShouldAnyone Believe AnythingAt AlI?", in: D. A. CARSON, ed. Telling the Truth. (Gtand Rapids, Mich.: Zondervan, 2000), p. 93-101 V tb. James SIRE, Why ShouldAnyone Bel'eve Anything At ALI. Downers Grave, m.: InterVarsity Press, 1994.

2- Peter Kraft - Sócrates e Jesus: O Debate, pág. 143.

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