terça-feira, 16 de maio de 2017

O Conceito de Deus - Parte I


Por natureza, nós humanos somos seres dotados de capacidade racional e por assim ser, somos incapazes de mantermos um posicionamento puramente arbitrário ou tomarmos decisões sem nenhum conjunto de princípios ainda que meramente pessoais.

Possuímos uma avassaladora necessidade de algum credo pelo qual viver, alguma bússola que norteará nossas escolhas de vida. E como salientou Phillip E. Johson, “aquele que afirma ser cético em relação a um conjunto específico de crenças é, na verdade, um verdadeiro crente em outro conjunto de crenças”.

Pode-se afirmar que cada pessoa possui algum modelo de universo dentro de si, que define como o mundo é, e projeta a maneira pela qual devemos viver nele. James Sire em seu livro O Universo ao Lado, sugere que cada pessoa possuí um universo mental no qual “vive”. Essa projeção conceitual surge como necessidade para responder as questões fundamentais da vida, isto é: Quem somos? De onde viemos? E qual o objetivo de termos vindo?

Na tentativa de preencher essas lacunas, desde o mais erudito aos comuns e “meros mortais”, todos possuem algum conjunto de crenças sobre como a realidade funciona e como devem nela viver. Certas crenças até são consistentes ao passo que outras não, mas essa junção fornecesse um quadro mais ou menos consistente da realidade que nos cerca.

Por exemplo, para os marxistas o comportamento humano é moldado pelas circunstâncias econômicas, já para os freudianos, tudo se resume a instintos sexuais reprimidos; a psicologia comportamental enquadra o ser humano no mecanismo de estímulo/resposta. Já para os naturalistas, nossos padrões de comportamento são apenas o subproduto da evolução biológica e do condicionamento social.

Visões de Mundo

Esse universo mental mantido pelas pessoas recebeu o título de cosmovisão. O conceito surge no romantismo alemão, tendo como tradução a palavra alemã Weltanschauung, que significa "modo de olhar o mundo" (welt, "mundo"; schauen, “olhar"). A ideia foi posteriormente apresentada ao meio cristão por pensadores holandeses [1] com o intuito de estabelecer de modo organizado as bases que respondem “quem somos”, “de onde viemos” e para onde vamos.

Para Abraham Kuyper e Herman Dooyeweerd [2] por exemplo, o indivíduo (sobre tudo cristão) jamais conseguirá fazer clara distinção entre as crenças e princípios da época em que vive, a menos que tenha uma clara e abrangente visão de mundo. A preocupação dos autores holandeses nunca foi tão justa, visto o aumento do trágico quadro de jovens nascidos em lares cristãos que ao ingressarem no meio acadêmico, facilmente abandonam a fé. Qual o motivo disto? O débito gigantesco que o cristianismo possui por ter se especializado basicamente no quesito de crenças religiosas (doutrinas) e devoção pessoal (comportamento ético-moral). Em termos claros, não somos ensinados a desenvolver uma cosmovisão sólida. Gastamos muito tempo em disputas inter-denominacionais circulando em termos doutrinários enquanto com facilidade somos humilhados pela contracorrente de tendências culturais. Somos exímios doutrinadores e péssimos educadores.

Como saberemos analizar e criticar cosmovisões concorrentes (que por vezes parecem ser mais atrativas), se mau entendemos “quem somos”, “de onde viemos” e onde estamos?! É urgentemente necessário reconhecer que a verdadeira religião consiste em uma prática educativa e apologética, não somente doutrinária e sentimentalista.

O Inicio do Universo

Toda filosofia ou ideologia, desde as formas mais primitivas de espiritualismo até o espiritismo moderno, do cristianismo, passando pelo marxismo ao neoateismo, todas sem exceção (embora os termos variem) se propõem a responder às mesmas perguntas fundamentais:

ORIGEM: Como tudo começou? De onde viemos?
QUEDA: O que deu errado? Qual é a fonte do mal?
REDENÇÃO: Como concertar o mundo?

No que concerne a cosmovisão judaica-cristã, às respostas para as questões sobre a origem do universo e consecutivamente a vida nele, estão centradas na figura de um Originador do Universo. Sim, o Universo teve um início e já evidenciamos isso. Há exatos 100 anos atrás, era confortável para o ateísmo a crença de que o Universo era eterno, não necessitando de uma causa. Mas, desde então, evidências científicas foram descobertas deixando-nos sem sombra de dúvidas de que o Universo realmente teve um início.

Em 1916 Einstein achou “irritante” [3] descobrir com base em sua Teoria da Relatividade Geral que o Universo não era auto-existente, ou seja, que não fosse dependente de uma causa externa, mas que parecia ser justamente um gigantesco efeito de uma causa. Em 1919, o cosmólogo britânico Arthur Eddington confirmou que a teoria da relatividade era realmente verdadeira — o Universo não é estático — ao analisar um eclipse solar. Por fim em 1927, o astrônomo Edwin Hubble evidenciou que Universo parecia estar em expansão de um único ponto no passado distante ao estudar as galáxias observáveis.

Agora entenda, tudo o que teve um começo indubitavelmente teve uma causa. Se o Universo teve um início, então teve uma causa! Até mesmo o famoso ateu David Hume entendia essa lógica quando afirmou: "Nunca fiz a tão absurda proposição de que alguma coisa possa surgir sem uma causa”. [4]

A Causa do Universo

Uma vez que a ciência evidência que o Universo teve um começo, então o Universo deve ter tido uma causa, e como Francis Bacon certa vez disse que “o verdadeiro conhecimento só é conhecido pela causa” [5], sendo ele pai da ciência moderna, entende-se que fazer ciência é fazer justamente uma busca pelas causas, tentar descobrir o que causou o quê.

Ainda seguindo sob a ótica da astronomia, gostaríamos de citar Robert Jastrow que além de trabalhar como diretor do Observatório de Monte Wilson, é fundador do Instituto Goddard para Estudos Espaciais, da NASA e autor do livro Deus e os Astrônomos. Embora o título possa parecer controverso tendo em vista as impecáveis credenciais do cientista, o mesmo deixa claro seu posicionamento afirmando que “quando um astrônomo escreve sobre Deus, seus colegas acham que ou ele está ficando velho ou maluco. No meu caso, deve-se entender desde o início que sou agnóstico em relação aos assuntos religiosos”.[6]

Sob esse contexto quanto ao posicionamento pessoal de Jastrow, é interessante notar como o agnóstico cientista após explicar algumas das comprovações do Big Bang, descreve um surpreende paralelo entre a cosmovisão bíblica e os achados científicos da astronomia, declara:

“Agora vemos como a evidência astronômica leva a uma visão bíblica da origem do mundo. Os detalhes divergem, mas os elementos essenciais presentes tanto nos relatos astronômicos quanto na narração do Gênesis são os mesmos: a cadeia de fatos que culminou com o homem começou repentinamente e num momento preciso no tempo, num flash de luz e energia.” [7]

Embora seja de conhecimento geral que a cultura judaica-cristã apresente um Ser eterno como a causa do Universo, há também inúmeras evidências cientificas que apontam para a mesma conclusão.

Qual a Causa de Deus?

Por vezes, quase como uma saída pela tangente, a velha questão sempre é levantada: mas então quem ou o que originou Deus? Para respondermos a essa questão temos que entender de modo simples que a Lei da Causalidade não diz que TUDO precisa de uma causa, mas sim que tudo que VEIO à existência possui uma causa. Deste modo, a figura de Deus recebe tal título justamente por não ter vindo a existir, mas ser eterna, isto é, sem uma causa, e é justamente isso que o torna Deus, a eterna incausabilidade.

Embora o ateísmo possa protestar que “se podemos ter um Deus eterno, então também podemos ter um Universo eterno”, temos que ter em mente que de fato só existem duas possibilidades: ou o Universo é eterno, ou alguma coisa fora do Universo é eterna. Uma vez que as evidências cientificas contestam a eternidade do universo, resta-nos apenas uma opção: alguma coisa fora do Universo deve ser eterna.

Então, a despeito do que Albert Einstein e tantos outros possam ter evidenciado a cerca do Universo, qual é a proposta judaica-cristã para a causa, o Originador? Qual o conceito de Deus apresentado pelos textos sagrados que sustentam sua visão de mundo? E por que “um” ou “o” Deus e não os deuses propostos por inúmeras outras culturas? Essas e outras questões é o que precisamos clarear.

Continua...

Referências
1 - Nancy Pearcey - Total Truth, p. 18
2 - Ibidem, p. 19
3 - I Don’t Have Enough Faith to Be an Atheist, p. 52
4 - J. Y. T. GREIG, ed. The Letters ofDavid Hume, 2 vol. New York: Garland, 1983, v. 1, p. 187.
5 - The New Organon (1620), reimpressão, Indianapolis: Bobbs Merrill, 1960, p. 12
6 - God and the Astronomers, p. 11.
7 - Ibidem, p.14

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